AS GERAÇÕES
DE DIREITOS HUMANOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Dymaima Kyzzy Nunes
Resumo: Este trabalho visa, de uma maneira concisa e breve,
analisar no que consistem as gerações de direito, cada uma delas, em
particular, e a sua relação com o Estado Democrático de Direito, de maneira a
demonstrar que a efetivação desses direitos somente se pode dar em países nos
quais a democracia e o Estado de Direito vigem, não só de direito, mas
principalmente de fato, apresentando, assim, a relação entre e concretização de
direitos humanos fundamentais e a democracia característica dos Estados de
Direito.
Palavras-chave: gerações de direitos humanos, direitos
fundamentais, internacionalização, Estado democrático de direito, igualdade,
justiça.
1. GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS:
A
positivação dos direitos que hoje são alcunhados de fundamentais e que
correspondem, de mais a mais, às gerações de direitos humanos deu-se, nas
variadas Cartas Fundamentais, em correspondência ao transcurso da história da
humanidade e efetivamente se perfectibilizou no ordenamento jurídico pátrio,
com a proporção que hoje se concebe, com a promulgação da Constituição Cidadã
de 1988, como uma conseqüência histórica da transmudação dos direitos naturais
universais em direitos positivos particulares, e, depois, em direitos positivos
universais (PIOVESAN, 2004, p. 124).
Por isso
mesmo, inexiste equívoco quando se confere a essa Norma Fundamental a
atribuição de refletir um momento histórico significativo, o atual, porque o
máxime do alargamento no campo dos direitos e garantias fundamentais até hoje
conquistado, colocando-se, ainda, “entre as Constituições mais avançadas do
mundo no que diz respeito à matéria” (PIOVESAN, 2004, p. 25).
São, assim,
considerados humanos, os direitos conferidos a todo e qualquer sujeito, no
intuito de se resguardar sua dignidade, direitos esses que “a sociedade
política tem o dever de consagrar e garantir” (HERKENHOFF, 1994, p. 31), todos
decorrentes de alterações no pensamento filosófico, jurídico e político da
humanidade, e que, positivados, convencionou-se designar por “direitos
fundamentais”.
Como
precedente histórico de processo de internacionalização dos direitos humanos,
assinala-se a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho,
convenções pelas quais foi possível, pela primeira vez, “redefinir o status do
indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de
direito internacional” (PIOVESAN, 2004, p. 125).
Em ambas as
convenções, criadas antes da Primeira Guerra Mundial, visou-se estabelecer
limites à atuação estatal e garantir a observância dos direitos fundamentais,
assinalando a necessidade de se relativizar a soberania dos Estados.
“Vale dizer,
o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do
Direito Humanitário registra o fim de uma época em que o Direito Internacional era
salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito
estritamente governamental. Através destes institutos, não mais se visava
proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados. Visava-se sim ao
alcance das obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas
coletivamente que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos
Estados contratantes. Estas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda
dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados” (PIOVESAN,
2004, p. 128-129).
Na
sequência, após a Segunda Grande Guerra, palco de massacres e conhecido
genocídio das mais distintas etnias, efeito do fortalecimento do totalitarismo
estatal dos anos 30, a humanidade percebeu a premência de se resguardar, mediante
eficazes medidas, a dignidade da pessoa humana.
Conforme
assinala Thomas Buerguenthal:
“O moderno
Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu
desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos
da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas
se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse”
(IN. PIOVESAN, 2004, p. 131).
E
efetivamente, remonta a história, somente com o pós-guerra, depois de todas as
atrocidades ocorridas sob o argumento da hibridização da raça ariana, projeto
político e industrial sabidamente abraçado por Adolf Hitler, com a real ruptura
do paradigma dos direitos humanos, mediante uma negação dos valores mais comezinhos
ao homem concedidos, emergiu, significativamente, no pensamento ocidental, a
necessidade de se reconstruir tais direitos.
O Tribunal
de Nuremberg, no qual foram julgados os crimes cometidos ao longo do Nazismo,
ou por líderes nazistas, ou por oficiais militares, teve sua composição e
procedimentos básicos fixados pelo acordo de Londres e tinha, claramente como
objetivo, reprimir futuras práticas de atos contrários aos direitos humanos e
demonstrar, para a comunidade internacional a força normativa dos direitos
humanos, de amplitude universal, significa dizer, a comunidade internacional
testemunhou a importante marca de que os direitos humanos, a partir de então,
deixavam de ser questão de direito doméstico, para tornarem-se matéria de cunho
extra-estatal.
Desse
momento histórico, portanto, resultaram a Declaração Universal, aprovada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Convenção Internacional sobre a
prevenção e punição do crime de genocídio, ambas marcos inaugurais de “uma nova
fase histórica, que se encontra em pleno desenvolvimento” (COMPARATO, 2004, p.
56).
Fábio Konder
Comparato analisa e relata essa nova fase, asseverando:
“Ela é
assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos
humanos. Meio século após o término da 2ª Guerra Mundial, 21 convenções
internacionais, exclusivamente dedicadas à matéria, haviam sido celebradas no
âmbito da Organização das Nações Unidas ou das organizações regionais. Entre
1945 e 1998, outras 114 convenções foram aprovadas no âmbito da Organização
Internacional do Trabalho. Não apenas direitos individuais, de natureza civil e
política, ou os direitos de conteúdo econômico e social foram assentados no
plano internacional. Afirmou-se também a existência de novas espécies de direitos
humanos: direitos dos povos e direitos da humanidade” (COMPARATO, 2004, p. 56).
Dessa
maneira foi que a Declaração definiu, como nunca antes, os padrões éticos e
morais a serem perseguidos pelos Estados, conferindo uma gama extensa de
direitos e faculdades sem as quais um ser humano já não mais poderia
desenvolver sua personalidade intelectual, física e moral e acarretando uma
repercussão tal que “os povos passaram a ter consciência de que o conjunto da
comunidade humana se interessava pelo seu destino” (PIOVESAN, 2004, p. 146).
Ademais,
além de internacionalizar os direitos ali contidos, a Declaração também teve a
função de conjugar, harmonizar ou conciliar as gerações de direitos civis e
políticos (primeira geração de direitos) aos direitos econômicos, sociais e
culturais (segunda geração), equalizando, desta forma, o discurso liberal e o
discurso social defensores da cidadania, atando o valor da liberdade ao da
igualdade, dicotomia que até então não se cria pudesse ser ultrapassada.
Em breves
linhas, os fatos históricos dão conta de que até a subscrição desta Declaração,
tal antagonismo entre o direito à liberdade e o direito à igualdade era
reputado intransponível, porquanto, se de um lado, consagravam-se a ótica
contratualista, fundante do Estado Liberal, erigido filosoficamente pelos
ideais de Locke, Montesquieu e Rousseau e pelo qual ao Estado era vedada a
atividade excessiva, restritiva da liberdade dos cidadãos, por outro, imperiosa
era a proteção de direitos sociais, a consagrar a igualdade entre os
indivíduos, no qual o Estado passava a ser visto como “agente de processos
transformadores”, no sentido de prestador de direitos sociais (PIOVESAN, 2004,
p. 147), valores tais cujos vetores claramente apontavam para sentidos
ontologicamente opostos, razão de ser da flagrante dicotomia anunciada.
“Considerando
este contexto, a Declaração de 1948 introduz extraordinária inovação, ao conter
uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da
cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos
civis e políticos (arts. 3º a 21), como direitos sociais, econômicos e
culturais (arts. 22 a 28) (PIOVESAN, 2004, p. 148).
Feito
sucinto escorço histórico da emergência dos direito humanos no âmbito
internacional, mister separar, uma a uma, as gerações de direitos, consoante
proposição contida neste trabalho.
Impende
salientar, no entanto, tal sistematização dos direitos humanos em gerações de
direitos, não acompanha qualquer hierarquização desses valores, mas tão só
corresponde ao seu reconhecimento em dado momento histórico e em determinados
ordenamentos jurídicos.
1.1 Direitos humanos de primeira geração:
Os direitos
humanos de primeira geração são resultantes, principalmente, da Declaração
Francesa dos direitos do Homem e do Cidadão e da Constituição dos Estados
Unidos da América de 1787, que surgiram após o confronto entre governados e
governantes, é dizer, da insatisfação daqueles com a realidade política,
econômica e social de sua época, e que resultou nessas afirmações dos direitos
de indivíduos em face do poder soberano do Estado absolutista (LAFER, 1988,
p.126).
Tais
documentos, segundo Comparato (2006, p. 51):
“[...]
representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais
aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as
organizações religiosas. Mas em contrapartida, a perda da proteção familiar
estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às
vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança
da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Esses direitos,
visando a proteção das liberdades individuais ao impor limites ao Estado,
recebem a denominação, por alguns autores de direitos humanos de primeira
geração ou primeira dimensão.”
E Cesar
Lafer (1988, p. 126) afirma:
“Os direitos
humanos da Declaração de Virgínia e da Declaração Francesa de 1789 são neste
sentido, direitos humanos de primeira geração, que se baseiam numa clara
demarcação entre Estado e não Estado, fundamentada no contratualismo de
inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e
tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social. Por isso,
são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício – é individualmente
que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito passivo
do direito – pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a
todos os demais indivíduos, já que esses direitos têm como limite o
reconhecimento do direito de outro [...]”.
Filosoficamente,
pode-se creditar o surgimento e o resguardo dessa geração direitos à moral
individualista e secular, que colocava o indivíduo como centro do poder e
rechaçava, de outra parte, a promiscuidade entre poder político e religioso,
assinalando a secularização do poder do Estado (BOBBIO, 1992, p. 60). São,
destarte, os direitos individuais, que resguardam as liberdades individuais e
impõem limitações ao poder do Estado, decorrentes da evolução do direito
natural e sofrendo importante influência dos ideais iluministas, como se pode
extrair do pensamento filosófico de Rousseau, Locke e Montesquieu,
principalmente.
Em verdade,
há quem assinale que as dimensões de direitos humanos foram separadas conforme
o lema da Revolução Francesa de 1789, liberte, igualité, fraternité,
ao qual a liberdade corresponderia à primeira, a igualdade a segunda e a
fraternidade à terceira geração de direitos, sobrevindo, somente anos depois,
as quarta e quinta gerações de direitos humanos, expressão originariamente
criada por Karel Vasak na aula inaugural no Curso do Instituto Internacional
dos Direitos do Homem, em Estraburgo e posteriormente emprestada por Norberto
Bobbio (LIMA, 2003).
Essa dúvida,
no entanto, desmerece maiores delongas, já que não perfaz a matéria que se
pretende analisar neste trabalho, razão porque breves as linhas que encerram
tal explanação.
1.2 Direitos humanos de segunda geração:
Mais tarde,
porém, com a consagração dos direitos de liberdade, ocorreu a passagem destas,
as chamadas liberdades negativas, para os direitos políticos e sociais, que
exigiam uma intervenção direta do Estado, para ver-se concretizados, com a
passagem da consideração do indivíduo singular, primeiro sujeito a quem se
atribuiu direitos naturais, para grupos de sujeitos, sejam famílias, minorias
étnicas ou até mesmo religiosas. Os direitos sociais ou prestacionais, como o
direito à saúde, configuram, assim, um dos elementos que marcaram a transição
do constitucionalismo liberal para o constitucionalismo social, direitos que
impõem, determinam ou exigem do Estado enquanto ente propiciador da
liberdade humana, não mais aquela atividade negativa, de restrição de sua
atuação, mas uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do
direito fundamental prestacional(HUMENHUK, 2004).
De segunda
geração, são, pois, os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, dentre
outros, cujo sujeito passivo é o Estado, que tem o dever de realizar prestações
positivas aos seus titulares, os cidadãos, em oposição à posição passiva que se
reclamava quando da reivindicação dos direitos de primeira geração (LAFER,
1988, p. 127). Foram positivados somente nas Constituições francesas liberais
de 1791 e 1973, sendo ampliados e reafirmados pela Constituição francesa de
1948, carta política esta que correspondeu com a consciência da população,
verdadeira interessada na efetivação de tais direitos, dos problemas
resultantes da revolução industrial e a condição dos operários (LAFER, 1988, p.
127-128; COMPARATO, 2001, p. 51).
1.3 Direitos humanos de terceira geração:
À par das
dificuldades e das conquistas decorrentes da diuturna luta social pelo
reconhecimento e pela eficácia dos direitos civis e políticos, de primeira
geração, e dos direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de segunda
geração, outros valores, até então não tratados como prioridade na sociedade
ocidental, foram colocados na pauta de discussão em período posterior ao final
da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Referidos valores, para serem efetivados,
exigiam soluções inovadoras que só o reconhecimento de direitos de estirpe
diversa dos já positivados poderia satisfazer. Estes novos direitos passaram,
assim, a serem alcunhados de direitos de terceira geração.
Tais
direitos, também conhecidos como direitos da solidariedade ou fraternidade,
caracterizam-se, assim, pela sua titularidade coletiva ou difusa, tendo
coincidido o período de seu reconhecimento ou positivação com o processo de
internacionalização dos direitos humanos (TAVARES, 2006, p. 421-422; ALMEIDA,
1996, p. 45).
Sobre esta
geração de direitos, destaca Ingo Wolfgang Sarlet, que (1998, p.50-51):
“[...]
trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura
do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos
(família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de
titularidade coletiva ou difusa. […] Dentre os direitos fundamentais da
terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à
paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e
qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio
histórico e cultural e o direito de comunicação. Cuida-se na verdade do
resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre
outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância,
bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas
contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos
direitos fundamentais.”
Tais
direitos, sabe-se, caracterizam-se pelo distintivo de demandarem a participação
intensa dos cidadãos, sem a qual não tem eficácia, requerendo a existência de
uma consciência coletiva na atuação individual de cada membro da sociedade, em
aliança com Estado.
1.4 Direitos humanos de quarta geração:
Há
doutrinadores, ainda, que reconhecem a existência de uma quarta geração ou
dimensão de direitos humanos, que se identificariam com o direito contra a
manipulação genética, direito de morrer com dignidade e direito à mudança de
sexo, todos pensados para o solucionamento de conflitos jurídicos inéditos,
novos, frutos da sociedade contemporânea. Há, ainda, doutrinadores, como o
constitucionalista Paulo Bonavides, que entendem que a quarta geração de
direitos identificar-se-ia com a universalização de direitos fundamentais já existentes,
como os direitos à democracia direta, à informação e ao pluralismo, a exemplo
(SARLET, 1998, p. 52).
1.5 Direitos humanos de quinta geração:
Finalmente,
os direitos humanos da quinta geração, como os de quarta, também não são
pacificamente reconhecidos pela doutrina, como o são os das três primeiras. No
entanto, os direitos que por essa geração são reconhecidos, quais sejam, a
honra, a imagem, enfim, os “direitos virtuais” que ressaltam o princípio da
dignidade da pessoa humana, decorrem de uma era deveras nova e contemporânea,
advinda com o exacerbado desenvolvimento da Internet nos anos 90.
Tais
valores, portanto, são defendidos e protegidos por essa geração de direitos,
com a particularidade de protegê-los frente ao uso massivo dos meios de comunicação
eletrônica, merecendo, assim, proteção não só as pessoas naturais, mas também
as pessoas jurídicas (art. 50, Código Civil de 2002).
2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:
Visando uma
melhor elucidação do termo, necessária uma breve fragmentação do instituto,
para se examinar, assim, o que seja, o Estado de Direito e o Estado
Democrático.
No entanto,
mister ressaltar, tal definição fragmentada, por si só, não é o bastante para
conceituar o que seja o Estado Democrático de Direito, que exige um novo e terceiro
conceito, incorporando um “componente revolucionário de transformação do status
quo” (DA SILVA, 2002, P. 119).
Igualmente,
não se vislumbra nesse trabalho a possibilidade de que um Estado que não seja
de Direito possa vir a ser Democrático. E ainda, entende-se que a democracia
não é um valor que se garante através da normatização de direitos e deveres
perante o Estado, exigindo também, ainda mais, a concretização dos direitos
humanos, como mais adiante se verá.
2.1. O Estado de Direito:
Originariamente,
o Estado de Direito era uma definição de Estados liberais, cujas
características mais marcantes se perfazem na submissão de todos à lei e cuja
elaboração era de competência do Legislativo, formado por representantes do
povo, na separação de poderes, que dividisse de maneira independente e
harmônica o Legislativo, Executivo e Judiciário, garantindo, assim, a
imparcialidade e justeza na elaboração e aplicação das normas e na garantia dos
direitos humanos e fundamentais.
Tais
exigências, que remontam à origem dessa forma de Estado, ainda consistem a base
principal do Estado Democrático de Direito, configurando, assim, uma grande
conquista da civilização liberal (DA SILVA, 2002, p. 113).
Advém,
portanto, do princípio da legalidade a concepção do Estado de Direito, porque a
democracia, nesses Estados, pauta-se principalmente em normas positivas,
vigentes para todos, sem restrições. É, de fato, na essência dessa forma de
Estado a subordinação da atuação estatal à Constituição e à legalidade democrática.
“A lei é
efetivamente o ato de maior realce na vida política. Ato de decisão política
por excelência, é por meio dela, enquanto emanada da atuação da vontade
popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de
conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como
guiar-se na realização de seus interesses” (DA SILVA, 2002, p. 121).
Mas, não é
qualquer lei que torna democrático o Estado de Direito, e sim normas que visem
a concretização da igualdade e da justiça, “não pela sua generalização, mas
pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais” (DA SILVA,
2002, p. 121).
Portanto,
não é equívoco dizer-se que no Estado de Direito, a lei é um valor basilar a
ser considerado e respeitado, mas que, por ser democrático, o Estado deverá
efetivar as normas e preceitos normativos que respaldem valores tais que
concretizem a igualdade e a justiça, principalmente (DA SILVA, 2002, p. 121).
2.2 O Estado Democrático:
O Estado
Democrático é, assim, aquele no qual há a soberania popular, é dizer, aquele
que exige a participação efetiva e positiva do povo na res publica,
mas que não se encerra na simples formação de instituições representativas ou
na democracia representativa, mas que impõe, isto sim, a participação da
população nas decisões importantes do Estado.
É, em outras
palavras, o Estado que, em contraponto ao Estado Liberal, todos têm direito
igualitário à participação, atuação esta que a própria Carta Fundamental deve
exigir e reclamar dos cidadãos.
Por isso
invoca-se, não raras vezes, o Estado Social de Direito, para ultrapassar aquele
conceito clássico e liberal de Estado Democrático, como sendo tão somente
aquele no qual se respeita a legalidade das normas, para estabelecer-se, entre
a democracia e a igualdade, um nó górdio que não se desata ou que, uma vez
cortado, implica na inviabilidade de ambos os conceitos, Estado esse no qual a
concepção mais recente do Estado Democrático de Direito reflete exatamente um
processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das
decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção (DA
SILVA, 2002, p. 118).
Segundo
lição de Alain Touraine, sociólogo francês estudioso da área, o conceito de
democracia não se restringiria tão só à existência de poderes separados e
independentes, ou mesmo pela preexistência de normas legais a prescrever,
permitir e sancionar as condutas. Para o autor, a democracia é um conceito
muito mais amplo, que se define pela natureza dos elos entre a
sociedade civil, sociedade política e Estado (TOIRANE, 1996, p. 50).
Assim, continua o autor, caso haja vasta influência de cima para baixo, não
haverá democracia, que necessita, sim, que sejam os cidadãos os atores sociais
que orientam seus representantes.
Entende-se,
pois, que a democracia, para que subsista e se realize plenamente, impõe a
efetivação dos direitos fundamentais, pré-requisitos que são para uma sociedade
justa e igualitária.
“A
democracia existe realmente quando a distância que separa o Estado da vida privada
é reconhecida e garantida por instituições políticas e pela lei. Ela não se
reduz a procedimentos porque representa um conjunto de mediações entre a
unidade do Estado e a multiplicidade dos atores sociais. É preciso que sejam
garantidos os direitos fundamentais dos indivíduos; é preciso também que estes
se sintam cidadãos e participem da construção da vida coletiva. Portanto, é
preciso que estes dois mundos – o Estado e a sociedade civil – que devem
permanecer separados, fiquem também ligados um ao outro pela representatividade
dos dirigentes políticos. Essas três dimensões da democracia – respeito pelos
direitos fundamentais, cidadania e representatividade dos dirigentes –
completam-se; aliás, é a sua interdependência que constitui a democracia” (TOURAINE,
1996, p. 43).
Não se
adentrará, ante a falta de espaço neste trabalho, nas diferentes formas de
democracia possíveis, consoante seja o Estado liberal, Constitucionalista ou
Conflitual (como na França, por exemplo).
Mas,
qualquer que seja o Estado de Direito de que se trate, todos somente terão o
distintivo da democracia, não somente pela existência de poderes independentes,
mas, isto sim, pelo grau de concretização que o Estado atribui aos direitos
fundamentais, corolários que são dos direitos humanos universais: a democracia
envolve, assim, mais do que a representatividade dos dirigentes ocupantes dos
cargos políticos, o “aumento do controle do maior número de pessoas sobre sua
própria existência” e o aumento da capacidade de “reduzir a injustiça e a
violência” (TOURAINE, 1996, p. 51-88).
2.3 O Estado Democrático de Direito:
Como já
mencionado anteriormente, o Estado Social de Direito nem sempre foi capaz de
assegurar a democracia, não obstante a busca pela justiça social e a obediência
aos ditames da lei.
É, pois, o
Estado Democrático de Direito, um Estado pelo qual se busca a materialização,
principalmente, do princípio da legalidade, aqui entendido não como um valor de
cunho programático, que se satisfaz com a positivação em norma fundamental, mas
sim um enunciado normativo que impõe uma conduta, tanto do Estado, quanto da
sociedade civil, na medida em que está voltado para a efetivação de uma
sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I, CRFB/88), garantindo o
desenvolvimento nacional (art. 3º, inc. II, CRFB/88), erradicando a pobreza e a
marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III,
CRFB/88) e instituindo o bem geral, sem preconceitos de raça, cor, sexo, idade
e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CRFB/88), somente
constituindo-se em Estado Democrático quando efetiva o preceito insculpido no
parágrafo único do art. 1º da Carta Federal, pelo qual todo poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos da Constituição.
Em epítome,
o Estado Democrático de Direito é o que se propõe a realizar o bem-estar
social, sob o fundamento de uma lei justa e que assegura a participação mais
ampla possível do povo, no processo político decisório.
2.4. A relação entre as gerações de direitos humanos e o Estado
Democrático de Direito:
Ao analisar
o trajeto percorrido para a internacionalização das gerações de direitos
humanos, desde seu surgimento até à atualidade, afere-se que é o mesmo caminho
que se perseguiu até o alcance do Estado Democrático de Direito, porquanto os
fundamentos e do desenvolvimento histórico das gerações de direitos e do Estado
Democrático de Direito são exatamente os mesmos, e inclusive sua ascensão e
reconhecimento ocorreu no mesmo contexto histórico, constituindo, ambos, duas
faces da mesma moeda.
O Estado
Democrático de Direito teve como consequência direta o aumento de bens e
direitos susceptíveis da tutela jurídica (princípio da legalidade) que, por sua
vez, torna a atividade jurídica do aplicador do direito mais complexa, sempre
em busca da maior efetivação possível dos direitos humanos positivados na Carta
Fundamental.
Cabe ao
aplicador do Direito minudenciar o caso concreto, sempre em observância aos
princípios garantidores de direitos fundamentais, executando sempre sua árdua
tarefa sem ferir a ordem instituída: O Estado Democrático de Direito.
3. CONCLUSÃO:
Após esse
trabalho, conclusão outra não haveria como se alcançar senão a de que a relação
entre a efetividade dos direitos humanos é o ponto nevrálgico para a realização
do Estado Democrático de Direito, é dizer, sem a concretização dos direitos
humanos, positivados com fundamentalidade na Carta Constitucional de cada
Estado, a Democracia e o Direito, que compõem essa forma de Estado, não passam
de expressões vazias, e a Carta Fundamental não é senão mera folha de papel.
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Dymaima Kyzzy Nunes(Graduada em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina -
CESUSC em 2007, também aprovada no mesmo ano para o Exame da Ordem dos
Advogados do Brasil, hoje atuante como assistente da Procuradoria de Justiça do
Ministério Público do Estado de Santa Catarina)