A RESSOCIALIZAÇÃO
DOS PRESOS ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
A importância de fornecer uma educação profissional
aos presos enquanto cumprem pena como mecanismo de ressocialização quando
egressos do sistema penitenciário.
O
presente estudo tem por fim diagnosticar como deve ser conduzido o processo de
ressocialização dos presos através da educação profissional dentro do sistema
penitenciário brasileiro. A Constituição Federal prevê expressamente a
responsabilidade do Estado perante todos os cidadãos, garantindo-lhes direitos
e deveres fundamentais, abrangendo também a população prisional que ingressa no
sistema penitenciário. A estes condenados, devem ser proporcionadas condições
para a sua integração social dentro das penitenciarias, visando a não violação
de seus direitos que não foram atingidos pela sentença.
Justifica-se este estudo na busca de indicar para a
sociedade e para os presos que o melhor caminho para a reinserção social e
profissional dos mesmos está na educação, pois a maioria deles não teve nem a
oportunidade de estudar antes de entrar para o mundo do crime.
2.DIREITOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS
Inicialmente o Estado através das penitenciárias
materializa o direito de punir todos aqueles que praticam uma infração penal,
mas o que se observa é que o sistema prisional não obtém êxito satisfatório no
emprego de suas sanções, em virtude da falta de estrutura carcerária que
comporte o número cada vez maior de condenados.
Em decorrência desta falta de estrutura, tem-se
violado a dignidade humana, e sabe-se que a dignidade humana é denominada
fundamental porque trata de situações sem as quais a pessoa humana não se
realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive.
A dignidade humana engloba várias outras garantias
do texto constitucional como à vida inclusive dos que estão cumprindo pena por
terem cometido conduta reprovável em sociedade. De acordo com o Pacto
internacional sobre direitos civis e políticos no Art. 2°: “O direito à vida é
inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém
poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”
Outro direito fundamental violado é a integridade
física e moral, descrita na Constituição Federal, Art. 5°, XLIX , no qual de
forma expressa assegura o respeito à integridade física e moral aos presos e
aos cidadãos. A CF ainda é mais especifica quando garante no mesmo artigo,
inciso III: “ Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante”. A pena prisional deveria restringir apenas o direito de ir e vir
visando mais do que a simples sanção diante de um crime praticado, mas a
recuperação e a reinserção plena do indivíduo no meio social.
A pena é na realidade uma resposta punitiva estatal
de um crime e deve guardar proporção com o mal infligido na sociedade, isto é,
deve ser proporcional à extensão do dano. De acordo com Cesare Beccaria (1998,
p.162-163): “para que toda a pena não seja uma violência de um ou de muitos
contra um cidadão particular, deve ser essencialmente pública, pronta,
necessária, a menor possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos
delitos, fixadas pelas leis.”.
O Art. 5°, XLVI da CF exige a individualização da
pena como forma de garantir que a sanção deve ser aplicada de acordo com a
gravidade do delito. É de suma importância que o sentimento de vingança de quem
foi vítima do delito não se confunda com a proporcionalidade da sanção a ser
aplicada, pois qualquer excesso de severidade torna a pena supérflua.
3. Considerações sobre a execução penal no
Brasil
A Lei de Execução Penal n° 7.210 de 1984 (LEP), ao
ser criada, representou um avanço na legislação, pois passou a reconhecer o
respeito aos direitos dos presos e assim previu um tratamento individualizado.
Esta lei não visou apenas à punição dos presos, mas também a ressocialização
dos condenados.
Acontece que o ambiente carcerário é um meio falido
para reabilitar o recluso devido às condições materiais e humanas das prisões
que impedem a realização do objetivo reabilitador, e se o ordenamento jurídico
possui a LEP como um dos únicos meios legais para cumprir esta função
ressocializadora é necessário que esta função seja cumprida no sistema
carcerário brasileiro.
3.1 Objeto e aplicação da LEP n° 7.210/84
O Art. 1° da Lei de Execução Penal tem duas
finalidades: a primeira é a correta efetivação do que dispõe a sentença ou
decisão criminal, “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de
sentença ou decisão criminal”; e a segunda é instrumentalizar os meios que
podem ser utilizados para que os apenados possam participar da integração
social, “e proporcionar condições para a harmônica integração social do
condenado e do internado”. O outro escopo apontado pela lei é promover a
reintegração social do condenado.
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p.32): “A
justiça penal não termina com o trânsito em julgado da sentença condenatória,
mas realiza-se principalmente na execução”. E a lei de execução foi criada para
garantir aos condenados que todos os seus direitos não atingidos pela sentença
estariam assegurados e a inobservância desses direitos significaria a imposição
de uma pena suplementar não revista em lei.
As formas de assistência aos presos de acordo com o
Art. 11 da LEP são: “material, à saúde, jurídica, educacional, social e
religiosa”, aduz, com este artigo que a reabilitação social constitui uma
finalidade do sistema de execução penal e que os presos devem ter o direito aos
serviços obrigatoriamente oferecidos pelo Estado dentro das penitenciárias, mas
o enfoque maior a ser visto será o enfoque educacional.
O Art. 17 da LEP: “assegura que a assistência
educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso
e do internado”. A educação é tão importante que a própria Constituição Federal
no art.205, reza que a educação é um direito de todos e dever do Estado e deve
ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno
desenvolvimento da pessoa e assim a qualificando para o trabalho.
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p.120) cita
em suas obras: “que a habilitação profissional é uma das exigências das funções
da pena, pois facilita a reinserção do condenado no convívio familiar e social
a fim de que ela não volte a delinquir.”
É importante considerar que a maioria dos presos
hoje são reflexos de uma má educação social, isto é não tiveram oportunidade de
frequentar escolas sejam públicas ou até mesmo privadas, e, diante desta
realidade, acaba sendo através da delinquência que se constrói suas
personalidades, e assim passam a cometer crimes, já que desconhecem o que é
moral ou imoral, pois a orientação destes princípios é fundada na educação. É
importante salientar que a profissionalização de detentos facilita a
reintegração ao mercado de trabalho, pois assim eles aprendem um ofício que
poderá ter continuidade quando for egresso do sistema penitenciário.
A Lei de Execução Penal tem a finalidade de
recuperar o preso e através do trabalho, estudo e regras básicas de cidadania
podendo-se chegar a uma solução tanto para prepará-los ao mercado de trabalho,
como para preencher as horas de ociosidade dentro dos presidiários.
3.2 O ócio prisional
A palavra ócio significa horas vagas, descanso e
tranquilidade, possuindo também sentido de ocupação suave e prazerosa. Este
tempo ociosos o qual faz parte do cotidiano das penitenciárias poderia ser
utilizado de forma a oferecer ao condenado condições para o retorno à sociedade
através da educação, trabalho e regras de convívio harmonioso dentro da mesma,
evitando que eles utilizem este “tempo” para arquitetar novos crimes, alimentar
sentimentos de raiva e de vingança para com a sociedade, aliar-se a elementos
de alta periculosidade, planejar as rebeliões e fugas dos presídios, assim
reincidindo na prática criminosa quando postos em liberdade.
O trabalho e a educação retiram os condenados do
ócio, o qual é prejudicial a todo o sistema prisional e a sociedade. O Ex-
Ministro Francês André Malraux (2009, on line) dizia: “A esperança
dos homens é a sua razão de viver e de morrer”. Daí a importância
de educar os presos e garantir uma atividade laboral para que eles saibam que
ao reingressarem na sociedade poderão também voltar ao mercado de trabalho de
acordo com as funções os quais tiveram oportunidade de se capacitar durante o
período em que estiveram recolhidos para cumprimento da pena.
Segundo Domenico de Masi, em sua obra “O ócio
criativo”, ele aborda a essencialidade de educar através do tempo livre, isto é
através de atividades lúdicas e culturais leva-se ao ócio inteligente, no qual
se pode transformar esta ocasião em um momento de crescimento intelectual. Pode
até parecer estranho esta analogia no que se refere à vida que se tem dentro
dos presídios, mas se realmente fosse adotado a filosofia de ensinar um ofício
a estes detentos de maneira que eles pudessem sentir prazer em ler e pensar,de
onde poderiam até surgir idéias salutares a serem implantadas dentro da
realidade prisional e assim se sentiriam mais úteis.
Diante do exposto percebe-se que estas atividades
de educar para pensar também se encontram inseridas dentro da Lei de Execução
Penal no Art. 28: “O trabalho do condenado, como dever social e condição de
dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”, no qual será levado
em consideração as habilidades e condições pessoais de cada detento para
produzir de acordo com sua capacidade física ou mental.
4. A Ressocialização dos presos através do
trabalho
No sistema prisional brasileiro as atividades
exercidas pelos detentos não configuram uma atividade capaz de formar
indivíduos preparados para retornar ao convívio social, pois eles não são
educados para adquirir conhecimento técnico necessário à reinserção social. É
preciso reorganizar a forma de aplicação do trabalho, devendo alem de ocupar o
tempo ocioso, preparar e oportunizar esses sujeitos para escolhas mais
conscientes e transformadoras. O estudo e o trabalho devem ser incentivados
através de parcerias ou convênios com empresas públicas ou privadas com objetivo
da formação profissional dos condenados conforme Art. 34 da LEP. Vale salientar
que o estudo é uma atividade laborativa intelectual.
O conceito de ressocialização de detentos, pelo
trabalho e pela qualificação profissional, com o propósito de prepará-los ao
reingresso social, baseia-se na afirmação de que o trabalho é fonte de
equilíbrio na nossa sociedade e também é agente ressocializador nas prisões do
mundo todo. Através do trabalho, os indivíduos garantem equilíbrio e melhor
condicionamento psicológico, bem como melhor comprometimento social. Ensinar um
ofício enquanto cumprem a pena é a maneira mais eficaz para ressocializar os
presos.
O Art. 41, inciso II da LEP, dispõe que é direito
do preso à atribuição do trabalho e sua remuneração, à jornada de trabalho deve
ser igual ou próxima daquela exercida em trabalho livre, assim, não será
inferior a seis, nem superior a oito horas conforme estabelece o Art. 33 da Lei
de Execução Penal. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da
Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o Art. 28, § 2º da LEP, mas deve-se
salientar que o trabalho deve ser remunerado, cujo valor não será inferior a
três quartos do salário mínimo, e esta remuneração deve atender à reparação do
dano causado pelo crime, assistência à família, pequenas despesas pessoais.
A Lei de Execução Penal em seu Art. 34 afirma que o
trabalho do preso poderá ser gerenciado por fundação ou empresa pública, com
autonomia administrativa e terá por objeto a formação profissional do
condenado. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado
somente em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da administração
direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra
fuga e em favor da disciplina. Para o alcance do benefício do trabalho externo
pelo apenado que esteja em regime semi-aberto, deve-se cumprir um sexto da pena
que lhe foi imposta.
O trabalho prisional gera ao preso o direito da
remissão da pena, isto é, o condenado pode reduzir pelo trabalho o tempo de
duração da pena privativa de liberdade. De acordo com a LEP, Art. 126 parágrafo
1°, a cada três dias trabalhado é remido um dia da pena. A remissão é um
estímulo para abreviar o cumprimento da sanção e assim alcançar a liberdade
condicional ou definitiva. Para Maria da Graça Morais Dias apud MIRABETE
(2007, p.517) a remissão trata-se de um instituto completo “pois reeduca ao
delinqüente, prepara-o para sua incorporação à sociedade, proporcionando meios
para reabilitar-se diante de si mesmo e da sociedade, disciplina sua vontade,
favorece a sua família e, sobretudo abrevia a condenação, condicionando esta ao
próprio esforço do apenado.”
Ao oferecer uma formação profissional como direito
do preso ou como dever do Estado pode-se qualificá-lo profissionalmente,
principalmente se o ilícito que levou a cumprir a pena tenha
sido conseqüência de não habilitação educacional ou
profissional, pois assim facilita um futuro para o egresso mais favorável a
reinserção social, e ainda previne a reincidência.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A verdade é que o Estado não trata o preso como um
ser humano, mas como uma coisa. O Estado e a sociedade deveriam se juntar na
perspectiva de recuperar aquele indivíduo, já que é sempre possível
recuperá-lo. Neste sentido é que existe uma série de mecanismos a disposição do
Estado e que devem ser utilizados na busca de ressocializar o preso, porém
esses mecanismos de reabilitação do preso, como a educação, atividades laborais
que a própria lei de execução penal prevê não são colocadas em prática com a
intensidade que deveriam ter e a sociedade, por sua vez, o condena e o exclui,
não lhe dando qualquer oportunidade de reabilitação quando ele torna-se egresso
do sistema prisional.
De quanto se viu até agora, pode-se deduzir que a
cadeia é a verdadeira universidade do crime e a prisão atinge o condenado ou
preso em sua integridade física e moral. O ócio que impera nos presídios é o
constante convite para aqueles delinquentes de maior gravidade persistir no
mundo enganoso do ilícito. A realidade prisional merece sofrer uma
transformação, sob pena de perpetuar-se no fracasso a que se destina. Assim,
entende-se que o trabalho e a educação de qualidade precisam ser urgentemente
inseridos, formal e eficientemente, no interior dos estabelecimentos
prisionais, dando uma perspectiva ao recluso que ao cumprir sua pena poderá
exercer uma atividade laboral digna na sociedade.
O drama penitenciário é muito preocupante e
necessita de ações governamentais urgentes. O trabalho, como fator educativo,
se transformaria em lucros sociais, além de reaproximar o sentenciado da
sociedade e da sua família.
Educar o homem é a medida mais apropriada e eficaz
para o seu progresso e desenvolvimento enquanto indivíduo e ser social. Inserir
o homem no mercado de trabalho é proporcionar-lhe as condições para viver
dignamente no meio social.
Neste caso, é imperioso que o Estado construa
penitenciárias dotadas de bibliotecas, promova palestras e debates, crie postos
de trabalhos não apenas para ocupar o tempo do preso, mas para ensinar-lhe uma
profissão que propicie seu exercício tão logo readquira sua liberdade. Não
parece difícil a aplicação dessas medidas, bastando, para tanto, vontade
política dos responsáveis pela implementação de políticas públicas, pois
projetos e programas já existem, basta aperfeiçoá-los e colocá-los em pratica.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
BRASIL. Lei n.º 7.210, de 11 de Julho de
1984. Código de Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas.
2. ed. São Paulo: Ícone, 1998.
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. 5.
ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
MIRABETE,
Julio Fabbini. Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007.